Quem possui um aparelho de telefone celular e tem conta em alguma instituição financeira sediada no país – ou seja, praticamente toda a população brasileira – já recebeu uma ligação de um agente do “seu” Banco oferecendo, quem sabe, um seguro residencial, ou um seguro “contra” furto de veículo.
Há também aquelas ocasiões especiais em que, ao financiar um imóvel, por exemplo, o consumidor é surpreendido com oferta de um seguro de vida, dentre tantos outros “produtos” que lhe são apresentados pelo agente bancário.
Enfim. Imagine-se que, ao abrir uma conta “nesse” Banco, ou ao contratar cheque especial, cartão de crédito, ou o financiamento de um automóvel, o Banco lhe oferece um seguro de vida. Qual a extensão da cobertura? É válido para morte por acidente? Em caso de morte acidental? “Vale” em caso de morte causada por uma pandemia?
Não é o que se deseja, obviamente, mas supondo que em caso de morte do titular, o dependente, ou o beneficiário desse seguro (a esposa, um filho, ou outro ente querido) será contemplado com o valor previsto na apólice? E se o falecimento do titular tiver sido ocasionado pelo Coronavírus (COVID-19)?
Permissão “legal” para restringir a cobertura em caso de morte causada por pandemia
No Brasil, quem regulamenta aquelas “letrinhas miúdas” nos contratos de seguro é a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), por força do que estabelece o art. 35 do Decreto-Lei nº 73, de 23 de novembro de 1966.
Embora essa norma já tenha comemorado alguns aniversários, ainda continua vigente, isto é, ainda surte seus efeitos. Adiante, o art. 36 desse Decreto-Lei, que cria a SUSEP, dá à entidade o poder regulamentar as operações, ou seja, os contratos de seguro.
Munido desse poder, depois de várias “primaveras”, a SUSEP estabeleceu regras que orientam a elaboração dos contratos de seguro por intermédio da Circular nº 440, de 27 de junho de 2012.
Além de prever alguns parâmetros mínimos para os contratos de seguro de vida (art. 7º), a Circular SUSEP nº 440 previu a possibilidade – desde que expressamente pactuado – a exclusão de cobertura no caso de morte causada por em razão da qual os órgãos competentes tenham reconhecido ser causa de uma pandemia. Vejamos o que diz a alínea “d” do inciso I do art. 12 dessa norma:
Art. 12. As exclusões específicas relativas a cada cobertura deverão estar relacionadas logo após a descrição dos riscos cobertos em todos os documentos contratuais, inclusive nos bilhetes, apólices e certificados individuais, e estão limitadas a:
I – Nas coberturas classificadas como microsseguro de pessoas:
d) epidemia ou pandemia declarada por órgão competente;
De fato, não se pode desprezar o direito da seguradora de obter lucros em razão do exercício de sua atividade, mas também não é por isso que o contratante deverá se submeter a regras que o submetem a onerosidade excessiva.
O que fazer em caso de negativa de cobertura
É necessário, nesses casos, analisar as circunstâncias em que ocorreram a contratação para se determinar, por exemplo, se era possível – considerando detalhes como forma de oferta, modo de contratação, informações prestadas ao consumidor, etc – apontar que o consumidor tinha acesso a essa informação suficientemente clara. Se o evento morte causada por pandemia estaria, ou não coberta pelo plano de seguro contratado.
Trata-se de flagrante relação de consumo e, por isso, aplicável o Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, o CDC. Nesse caso, os arts. 30 e 46, assim como o art. 51, estão envolvidos “na causa”, de modo que, por obediência às diretrizes que eles impõem, é dever do segurador prestar informação clara e precisa acerca de suas responsabilidades perante o consumidor, a fim de que se verifique a abusividade de eventual cláusula que afaste do segurador o dever de pagar a indenização no caso de sinistro.
CRISTIANO GIONGO
OAB/RS 51.857
DAIANA MARTINS BALDWIN
OAB/RS 81.537
LEONARDO BRUNETTI MACEDO
OAB/RS 80.452